Disco esse gravado em 1969, no Teatro Castro Alves, alguns fatos interessantes aconteceu, quem canta, quem toca, quais instrumentos foram utilizados, e claro, sobre os depoimentos que Mestre Pastinha fala durante o disco. Bem, esse disco é considerado um dos grandes registros históricos de nossa arte luta mãe capoeira.
Além de Mestre Pastinha, alguns outros nomes aparecem na participação do disco, Waldomiro Malvadeza, Zé Lito, Branquinho, Natividade,
e Mestre João Grande.
Outro ponto que mexe muito com a imaginação e curiosidade dos amantes da discografia capoeirana, é os instrumentos utilizados na gravação, assim com a execução dos toques e a levada do ritmo. A questão de só dois berimbaus, onde não se tem o grave do (gunga / berá boi), além de pandeiro, agogô, reco reco e atabaque.
Sobre as falas em forma de depoimento do Mestre Pastinha, traz questões que até dia de hoje serve com ponto de partida para estudos, o mestre deixa através desse disco, um rico material.
Eu me chamo Vicente Ferreira Pastinha. Eu nasci pra capoeira, só deixo a capoeira quando eu morrer. Eu amo o jogo da capoeira. E não há outra coisa melhor na minha vida, no resto da minha vida, do que a capoeira.
Hoje eu estou com 79. Olha, a minha vida é uma vida muito atrapalhada pra eu contar, mas tem centenas, milhares de pessoas que me conhecem, que já me acompanharam de infância e que vem me acompanhando, poderá dizer alguma coisa. Todos eles que 'quizer' dizer alguma coisa sobre a minha biografia, pode dizer qualquer coisa. Eu aceito tudo e qualquer. Agora tem uma coisa, não fui bobo na roda da capoeira, não fui bobo.
Na mandinga num fui bobo não, viu? Agora pra eu dizer, pra eu contar assim, eu não vou contar nada porquê se eu contar fica uma coisa muito longa e parece que estou no céu.
Muitas disordem que o capoeirista fazia não era propriamente por ele, era também provocado. Porquê se estava numa vadiação, num grupo com um berimbau, não é, na mão, eles passavam, entendia de querer tomar, pra quebrar… Aí inflamava, né? Muito capoeirista não queria perder seu instrumento, não é? Então o que nós tinhamos que, brigar.
Um instrumento, por exemplo, como o berimbau, não é somente intrumento. Agora vou aproveitar e dizer alguma coisa: não é somente instrumento. Muita gente tem que é o instrumento berimbau berimbau berimbau. Berimbau é música, é instrumento.
O berimbau é pra música, é instrumento, música. Também é instrumento ofensivo. Que ele na ocasião de alegria é um instrumento, nós usamos como um instrumento e na hora da dor ele deixa de ser instrumento pra ser uma foice de mão.
Eu vou contar. No meu tempo eu usava também uma foicizinha do tamanho de uma chave. A foice vinha com um corte e um anel pra encaixar o cabo. Mas eu como era muito bondoso, era muito amoroso, né, pra aqueles que quisesse me ofender, eu então mandava abrir outro corte nas costas. Se eu pudesse eu mandava abrir outro mais, não é, mas num podia mandava abrir outro corte, ficava dois corte. E na hora desmontava o berimbau e encaixava a foice, e aí eu ia manejar né?
Porquê o capoeirista tanto ginga, como pula, ….?, ropia, e como também ele sanga(?) e como defende-se também.
O capoeirista tem a mentalidade pra tudo. E quanto mais o capoeirista calmo melhor para o capoeirista.
O capoeirista não deve ser afobado. O capoeirista não deve provocar. O capoeirista não deve fazer certas coisas. No meu tempo, eu era capoeirista. Também tinha capoeirista que andava torto, mas torto, como a natureza não fez ele. Porquê ele pegava um lenço, botava no pescoço, um lenço grande, uma calça boca que dava trinta centímetros de boca, chinelo de xadrin, né, chapéu jogado do lado. Aí ele saía todo torto, ou do lado esquerdo, ou do lado direito, conforme ele tivesse a, o jeito né, se ajeitava nisso.
E andava pelo meio da rua com aquele gingado, né? Só a calça parecia, a boca da calça parecia uma saia! Mais uma saia do que calça. Capoeirista tinha tudo isso naquela época, né? Capoeirista se prestava naquela época pra muita coisa. E eu admiro hoje se o capoeirista se prestar pra certas coisas.
Eu sou um dos exemplos do passado. Aqui tem muitos veteranos. Velho mesmo! Capoeirista veterano, mais idoso do que eu. Menino da menina dos meus olhos, capoeirista…
Eu tinha aqui um aluno por nome Aberrê, esse foi meu aluno e era afilhado do mesmo padrinho meu. Morava na ladeira do São Francisco e eu morava na ladeira do Muntun. Eu levava, ele ia lá pra casa pra eu ensinar ele a jogar capoeira, quando eu dei baixa.
Tive um amigo, me chamou pra eu tomar conta de uma casa de jogo. Eu fui tomar conta dessa casa de jogo. Tinha necessidade de ir ao chefe de polícia pra tomar uma licença, pra poder abrir a casa, eu fui. Me levaram lá o Dr. Alvaro Cova. Quando eu entrei, estou na casa do Dr. Alvaro Cova “Dr., é este o rapaz que vai tomar conta da casa do jogo.”
Aí ele olhou assim pra mim, me olhou todo de cima a baixo, com os desenhos, aí foi e disse “Esse, esse garoto que vai tomar conta da casa de jogo? Isso é um fedelho! Vai tomar conta de uma casa de jogo?”
Meu camarada disse “É, mas é esse mesmo que eu quero.”
“Mas esse mininu não pode tomar conta de uma casa de jogo!”
Ele disse “É doutor, esse é mininu, mas é esse mesmo que eu quero.”
Aí o doutor se conformou, né, em dar a licença. Aí virou pra mim e disse “Como é seu nome?” Eu disse “Vicente Ferreira Pastinha.”
Suspendeu a carteira e tirou as carta toda, e disse “É você que é o valentãozinho que eu tenho aqui no meu distrito, num conhecia você!” Só de carta de queixa, né? E aí digo, cá comigo né, eu digo “pronto, tô gun, tô preso né?
No Gengibirra tinha um grupo de capoeirista. Só tinha Mestre. Os maiores Mestres daqui da Bahia. Todo domingo tinha ali uma capoeira que só ia alí Mestre, num tinha nada de aluno, era Mestre. E esse ex-aluno meu, Aberrê, fazia conjunto lá. Então os Mestres lá procuraram saber, querer me conhecer. Perguntou ao Aberrê quem tinha sido o Mestre dele. Ele deu meu nome.
“Traga esse homi aqui que nóis precisamos conhecer ele! É tão falado, é tão bom capoeirista. Traga ele aqui pra gente conhecer.”
O Aberrê me convidou pra eu assistir ele jogar no dia de domingo. Quando eu cheguei lá procurou o dono do, da capoeira, que era o Amorzinho, era um guarda civil. Procurou o Amorzinho e o Amorzinho no apertar da minha mão foi e me entregou a capoeira pra eu tomar conta.
Sobre as cantigas, creio que o disco nos leva a um tempo que alguns chama de tempo de ouro da Capoeira.
Lado 1
1 Maior é Deus / Bahia, Nossa Bahia / Ei, Dona Alice, Não Me Pegue Não / Canarinho Da Alemanha / Valha-me Deus, Senhor São Bento
2 Eu Já Vivo Enjoado / Quebra Gereba Quebra/ Dona Maria, O Que Vende Ai? / Lapinha
3 B-A-BÁ do Berimbau / Ai, ai, Aidê / Xô, Xô, Meu Canário / La-Lain-Lai-Lai
Lado 2
1 Eu Vou Ler Meu ABC / Vou-me Embora Pra São Paulo / A Manteiga Derramou / A Canoa Virou, Marinheiro / Adeus... Adeus / Quem Vem Lá / Dá, Dá, Dá no Nêgo / Pega Esse Nêgo, Derruba No Chão
2 Eu Nasci Pra Capoeira / Eu Estava em Casa / Tabaréu Que Vem do Sertão / Este Gungo é Meu / Adão... Adão... / Tão Dormindo... Tão Sonhando / Abalou Cajueiro
(Em comemoração aos 133 anos do nascimento de Mestre Pastinha, iremos a cada dia até dia 05 de abril, trazer uma história, um fato, uma curiosidade sobre o saudoso Mestre Pastinha. Nessa história de hoje, vamos trazer um pouco sobre o disco do Mestre Pastinha, sercado de muita história. Se liga na história.)
Iê viva Mestre Pastinha
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